Infiltrada: Por Dentro da Coreia do Norte, a Ditadura Mais Secreta do Mundo

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نام کتاب : Infiltrada: Por Dentro da Coreia do Norte, a Ditadura Mais Secreta do Mundo
عنوان ترجمه شده به فارسی : مخفیانه: در داخل کره شمالی، مخفی ترین دیکتاتوری جهان
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نویسندگان :
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سال نشر :
تعداد صفحات : 329
ISBN (شابک) : 9786556091563
زبان کتاب : Portuguese
فرمت کتاب : pdf
حجم کتاب : 2 مگابایت



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PRÓLOGO LÁ, O TEMPO PARECIA PASSAR de uma forma diferente. Quando você está desligado do resto do mundo, cada dia é exatamente igual ao anterior. Essa mesmice tem o dom de desgastar a sua alma até que você se torne nada além de uma coisa que respira, trabalha e consome, despertando quando o sol nasce e indo dormir ao primeiro sinal de escuridão. O vazio fica mais profundo a cada dia que passa, e você se torna cada vez mais invisível e desimportante. É assim que eu me sentia às vezes, um insetinho minúsculo dando voltas em si mesmo, apenas seguindo em frente. Lá, naquele vácuo implacável, nada se movia. Nenhuma notícia chegava ou saía. Nenhum telefonema era dado ou recebido. Sem e-mails, sem cartas, sem ideias que já não tivessem sido estipuladas pelo regime. Trinta missionários disfarçados de professores e 270 estudantes norte-coreanos do sexo masculino... e eu, a única escritora disfarçada de missionária disfarçada de professora. Trancados naquela prisão disfarçada de campus em um sub
PRÓLOGO
PARTE UM ANTIATLÂNTIDA Aeroporto de Sunchon, Pyongyang, 2002. A recepcionista do aeroporto segura uma placa com os dizeres “Sol do século XXI”, em comemoração ao aniversário de sessenta anos de Kim Jong-il.
PARTE UM ANTIATLÂNTIDA
1 MEIO-DIA E QUARENTA E CINCO, segunda-feira, 19 de dezembro de 2011, ouvi uma batida à minha porta. Meu coração afundou no peito. Eu sabia quem estaria do outro lado. Ignorei o som e continuei enfiando as minhas roupas na mala. A batida soou novamente. Ela sabia que eu estava lá dentro e não iria embora. Por fim, parei o que estava fazendo e abri a porta. Lá estava Martha, uma garota britânica de vinte e quatro anos, esguia e usando óculos, com quem eu dividia as obrigações de professora. – Você precisa ir à reunião neste instante – declarou ela. Suspirei, sentindo o peso dos últimos meses que eu passara ali, entre trinta missionários cristãos, agora reunidos em segredo para uma oração antes do Natal. Então, ela apontou para o teto e sussurrou: – Ele morreu. Achei que Martha estivesse se referindo a Deus e fiquei confusa por um instante. Nunca li a Bíblia e a maior parte da minha família é ateia. Então, ela disse “ele” e percebi a quem estava se referindo: o principal deus daquele mun
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2 PARA UM LUGAR CERCADO DE rumores de violência, Pyongyang sempre parece surpreendentemente gentil, pelo menos à primeira vista. Nessa visita, já a minha quarta, não foi diferente. Não havia nada no horizonte, exceto um punhado de aviões velhos, empoleirados na pista como moscas antigas. As terras agrícolas ao redor pareciam pertencer à história de um lugar onde nada de ruim jamais aconteceu e cujos aldeões não tinham a intenção de causar nenhum mal. Um terminal de aeroporto solitário assomava contra a quietude absoluta, encimado por um retrato gigante de Kim Il-sung. Ao longe, um grupo de homens amontoados aguardava para guiar cada delegação. Sempre que me deparo com o chavão “silêncio ensurdecedor”, lembro-me daquela impressão inicial, daquela admiração silenciosa ao finalmente contemplar aquilo que havia sido alvo de tanto fascínio. Ao descobrir que essa Atlântida moderna – ou Antiatlântida – realmente existe, afinal, você quer uma explicação, um pedido de desculpas, algum esclareci
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3 CALHOU DE O PRIMEIRO DIA DE AULA – o dia em que um grupo majoritariamente estadunidense de professores passou a ser responsável pela educação de 270 jovens norte-coreanos – cair no feriado de 4 de julho, mas ninguém pareceu notar a ironia. Não havia vermelho, branco e azul por ali. Nada de churrascos e fogos de artifício. Como eu nunca havia lecionado inglês como segunda língua, estava nervosa e empolgada ao mesmo tempo. Lembrei-me do código de vestimenta e coloquei uma camisa de botão azul-clara, uma saia cinza que ia até a panturrilha e um par de sapatos de salto baixo. Fora avisada de que as mulheres não costumavam usar calças na Coreia do Norte, e não me lembrava de tê-las visto usando calças nas outras viagens que eu tinha feito a Pyongyang. Às sete e quinze da manhã, eu estava do lado de fora do meu alojamento, de frente para o edifício de cinco andares onde as aulas eram ministradas, conhecido como o prédio de TI (Tecnologia da Informação). À esquerda ficava o monumento que eu
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4 EU SOU DE ORIGEM SULISTA. Por gerações, o clã Gwangsan Kim, do qual provém meu pai, se estabeleceu em Chungcheong-do, a única província parcialmente sem litoral entre as oito da península. As pessoas de lá são conhecidas por seu temperamento doce e seu espírito bondoso, embora essa reputação possa ter sido exacerbada por seus compatriotas, que sentem pena deles por não terem tanto acesso ao mar. Passei a maior parte da minha infância lá, em uma casa enorme cercada por colinas. Lembro-me de olhar para o céu em busca de um vislumbre de azul, o que pode ter sido um presságio de minha futura vida na ilha de Manhattan. De acordo com meu avô, que muitas vezes fazia meu irmão, minha irmã e eu nos sentarmos enquanto ele discorria sobre a superioridade da nossa linhagem, o clã Gwangsan era conhecido por ter dado origem aos principais eruditos confucionistas da Coreia. Éramos a mais nobre de todas as famílias coreanas, dizia ele, e certamente a mais digna entre as centenas de clãs Kim. Não éra
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5 NO MEU TERCEIRO DIA LÁ, todos os alunos apareceram para jantar por volta das sete da noite, muito depois das seis e meia, o horário programado. Isso era inusitado, já que haviam sido muito pontuais até então. Quando me sentei com alguns deles e perguntei por que se atrasaram, pareceram nervosos. Por fim, um deles disse que tiveram uma aula de estudos sociais em coreano que tinha durado duas horas. Embora isso não explicasse por que a aula se estendera trinta minutos além do que deveria, não me aprofundei no assunto. Devido às cartas que haviam escrito, eu sabia que eles passavam as tardes estudando Juche, embora não tivesse ideia de onde. Talvez as autoridades tivessem decidido que precisavam anular qualquer lavagem cerebral que nós, os estrangeiros, pudéssemos tentar incutir em seus jovens da elite. Em seguida, vi seis de meus alunos usando uniformes cáqui do exército em vez de camisas e gravatas e perguntei aos outros o motivo. – Eles estão em serviço – respondeu um deles. Os outro
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6 A REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES, no fim das contas, não era de fato mundial. Nenhum de nós jamais a mencionava. Alguns alunos que tinham sido transferidos da Universidade Kim Chaek disseram que a coisa de que mais sentiam falta da antiga faculdade era a rede eletrônica a que todos estavam conectados. Percebi que estavam se referindo à intranet norte-coreana, uma rede fortemente censurada que lhes permitia acessar apenas informações previamente baixadas e sites patrocinados pelo governo. Eu não tinha permissão de dizer a eles que a intranet que tinham era diferente da internet – que o resto do mundo estava conectado, enquanto apenas eles eram deixados de fora. Procurei indícios de que algum deles soubesse disso, mas não havia nenhum. Se eu nunca tivesse usado a rede mundial de computadores, será que teria conseguido imaginá-la? Mesmo que alguém a tivesse descrito para mim, acho que nunca teria sido capaz de conceber algo do tipo. Perguntei inocentemente se eles se comunicavam com os pa
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7 CERTA TARDE, EU ESTAVA ALMOÇANDO com três alunos, como de costume, e bem quando estava quase terminando Katie foi correndo até a minha mesa e pediu para falar comigo a sós. Não havia nenhum lugar para onde pudéssemos ir sem ser ouvidas, então decidimos dar uma volta pelo campus, na esperança de que parecesse que estávamos apenas caminhando enquanto discutíamos a aula daquele dia. Dar uma volta era a única forma que tínhamos de conversar livremente. Para não levantar suspeitas, parávamos de vez em quando para tirar fotos uma da outra. Katie estava em pânico por conta de uma conversa que tivera com um dos alunos à mesa. O garoto havia pedido para sentar-se com ela, embora não frequentasse nenhuma de nossas aulas. Às vezes, os alunos ficavam tão ansiosos para praticar o inglês que, quando não podiam se sentar com seus próprios professores, abordavam qualquer outro que estivesse por perto. Não havia uma regra clara sobre só podermos fazer as refeições com nossos próprios alunos, então ve
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8 DUAS SEMANAS DEPOIS, OS professores estavam eufóricos com a primeira excursão fora dos limites da cidade. Seríamos levados para uma fazenda de maçãs que ficava a meia hora de distância. Era fim de semana, mas víamos em ambos os lados da estrada pessoas trabalhando em campos tão verdejantes que pareciam ter saído de uma pintura. Por um momento, as histórias de terras áridas e montanhas desnudadas, bem como os pedidos de socorro emitidos pelo Programa Alimentar Mundial e as sanções das Nações Unidas condenando a RPDC por violação dos direitos humanos, pareciam ter sido inventados por pessoas sem nada melhor para fazer ou mal-intencionadas. Por um momento, quis acreditar no que estava diante dos meus olhos: uma paisagem imaculada e ar puro. Quase conseguia imaginar famílias carregando cestas de piquenique a tiracolo e colhendo maçãs, mas a estrada permaneceu vazia durante todo o trajeto até lá. Em um ponto ao longe, vimos o que pareciam ser casas escuras de palha. Os seguranças nos diss
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9 DUAS SEMANAS HAVIAM SE PASSADO, embora eu estivesse perdendo a noção do tempo. A maioria de nós não estava apenas cansada, mas também inquieta. “Tudo bem, já deu para mim. Gosto dos alunos, mas preciso respirar”, disse Rachel. Katie contou que, às vezes, ficava desesperada para voltar para casa. Um professor estadunidense do Meio-Oeste disse: “Eu só quero poder entrar no meu carro e ir até uma loja quando me der na telha. Isso parece um luxo tão grande por aqui”. Tinham ido para a UCTP por conta da profunda fé que nutriam por Deus e por seu desejo de pregar o evangelho, mas até mesmo eles estavam sendo sobrepujados por aquele lugar. Encontramos um pouco de alívio ao conversar sobre um passeio que os professores fariam ao Myohyang-san (Monte Myohyang), um destino turístico popular fora de Pyongyang. O Monte Myohyang era uma das poucas montanhas abertas para estrangeiros. Diziam que todas as outras eram desoladas e estéreis devido à crise econômica e à Grande Fome de meados da década d
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10 NA MINHA TERCEIRA SEMANA, acordei certa manhã sem me sentir confusa com o que havia ao meu redor. Já tinha me acostumado a amarrar um moletom em volta da cintura antes de correr, para o caso de meu short ser considerado indecente. Durante as corridas, passei a considerar marcadores de distância a Torre da Eternidade e os painéis vermelhos ornados com letras brancas aclamando Kim Jong-il como “O SOL DO SÉCULO XXI!”. Trilhava o mesmo caminho várias vezes ao correr, a chaminé de fábrica sempre à vista, e sabia, mesmo em dias nublados, que a cidade de Pyongyang ficava naquela direção. Já não me sentia incomodada com a música extremamente alta que saía dos alto-falantes externos às sete da manhã, e a visão dos alunos marchando havia se tornado estranhamente reconfortante. Depois do jantar, os alunos, vestindo moletom e tênis, saíam para cuidar dos jardins, cada um munido de um balde. Percebi então que vê-los arrancar ervas daninhas com tanto cuidado, algo que parecera estranho apenas alg
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11 DOMINGO, 24 DE JULHO, foi dia de eleição em Pyongyang. Para nós, porém, era um dia de oração. Os outros professores haviam pedido permissão para visitar uma das duas igrejas que existiam em Pyongyang, e ficou combinado que iríamos à igreja Bongsu. O presidente Kim nos acompanhou naquele dia e explicou que não era uma igreja de verdade, mas que devíamos respeitar o desejo dos norte-coreanos de nos mostrar que ali havia liberdade religiosa, o que não era verdade. O regime da RPDC é conhecido por se valer de detenções e até mesmo execuções para reprimir atividades religiosas não autorizadas. Do ônibus, pudemos ver que havia um clima de comemoração no ar, e as ruas estavam apinhadas de gente. Muitas das mulheres usavam hanboks (vestido tradicional coreano) esvoaçantes e em cores vivas. Vi um novo slogan em um dos prédios: VAMOS TODOS PARTICIPAR DAS ELEIÇÕES E APOIAR A REVOLUÇÃO! Criancinhas em uniformes escolares – camisas brancas, saias ou calças azul-marinho e lenços vermelhos – canta
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12 OS DIAS QUE ANTECEDERAM O FIM do semestre de verão foram caóticos. Houve muitas fotos e competições esportivas, como se a profusão de atividades pudesse nos distrair da despedida que se aproximava. Eu estava dividida entre a tristeza e a vontade de ir embora logo daquele lugar. Tinha aceitado o convite para continuar lecionando no semestre seguinte, mas, honestamente, não sabia se ia conseguir passar por tudo aquilo de novo. No dia 26 de julho, depois do almoço, Ruth e eu fomos chamadas à sala do presidente Kim e informadas de que teríamos de comparecer à cerimônia do 58o aniversário da Grande Vitória, que aconteceria no Centro Esportivo de Pyongyang. Era um evento de Estado, organizado pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia e pelo Comitê do Povo de Pyongyang, e celebrado na véspera do Dia da Vitória. Entre os convidados estava um pequeno grupo de funcionários mais antigos da UCTP; nós duas seríamos as únicas professoras. Mais tarde, Joan me contou que trabalhava com o presidente
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13 QUANDO VOCÊ VAI EMBORA? Era o último dia do semestre de verão e meus alunos não paravam de repetir a mesma pergunta, como as crianças costumam fazer. Respondia a eles que todos os professores se reuniriam às seis e meia da manhã para irem ao aeroporto. “Professora, nós vamos aparecer para nos despedir”, não paravam de repetir. Todos nós sabíamos que eles não poderiam fazer isso, pois acarretaria uma alteração do cronograma. Embora nossos alojamentos ficassem próximos um do outro, eles não podiam simplesmente levantar da cama e ir se despedir. E, ainda assim, continuavam prometendo que fariam isso. Professora, amanhã de manhã, vamos ficar lá até você ir embora. Acho que um dos alunos me disse isso umas cinco vezes. Fiquei feliz de acreditar que eles queriam muito, e que repetiam tantas vezes para deixar isso claro, mas saber que era impossível me enchia de tristeza. Não havia nenhuma compaixão naquele lugar. Eu sabia disso e, ainda assim, ficava surpresa todas as vezes em que isso se
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PARTE DOIS O SOL DO SÉCULO XXI Alunos da UCTP durante suas provas finais, em dezembro de 2011.
PARTE DOIS O SOL DO SÉCULO XXI
14 RARAMENTE OS REENCONTROS acontecem da forma como imaginamos. Quando voltei para Nova York, o homem do Brooklyn e eu passamos por todas as fases dos apaixonados: expectativa, dúvidas, resistência. “Deixe-me olhar para você”, ele me disse quando nos encontramos, em um restaurante japonês na rua Smith. Parecia não saber o que dizer, com exceção do comentário preocupado sobre eu estar mais magra. Talvez tenha sido um elogio, mas, como tinha acabado de voltar da Coreia do Norte, “mais magra” não parecia algo muito lisonjeiro. Naquela primeira noite, ele era quase um estranho para mim, e ele deve ter tido a mesma impressão a meu respeito. Ele não fazia ideia do que eu tinha passado e nem tentei explicar. Em vez disso, me afastei. Ele preferia enviar mensagens de texto a ligar, mas, quando por acaso ligava, eu acabava deixando cair na caixa postal. Eu não estava agindo com indiferença, como os apaixonados às vezes fazem. Simplesmente me sentia incapaz de encará-lo depois de tanto tempo lon
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15 EM OUTUBRO, DESCOBRI QUE Steve Jobs tinha morrido e que Kadafi fora morto na Líbia. Os jornais do mundo todo falavam da Primavera Árabe, uma nova ordem na qual o descontentamento civil não seria mais reprimido com tanta facilidade. Na RPDC, contudo, a vida continuou exatamente como fora nos últimos sessenta e poucos anos, sem outras notícias senão aquelas que se referissem ao Grande Líder. As aulas também seguiram de forma muito semelhante à do verão, mas, como o plano de estudos do outono era mais carregado, não havia tempo para atividades ou cartas semanais, então não pude ser tão criativa. Um novo sistema de ensino em equipe foi introduzido para garantir que mantivéssemos uns aos outros na linha, assim como os alunos faziam entre si. Seria completamente diferente da relação que eu tivera com Katie, que atuara como professora assistente e costumava seguir minhas instruções. Katie não voltou para o semestre de outono, assim como Sarah. Agora eu teria de repassar todas as aulas com
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16 CHOVEU MUITO NAQUELE MÊS DE OUTUBRO. A chuva caía lá como em qualquer outro lugar, e isso me parecia assombroso. Lembrei-me das monções em Seul e, pela primeira vez, até senti falta delas. Foram muitas as vezes em que fiquei perto da janela, vendo a chuva cair por horas a fio, porque era como ter um gostinho de casa. A mesmice diária de viver sob constante vigilância estava começando a cobrar seu preço mais uma vez. Fui invadida por uma sensação de desesperança da qual não conseguia me livrar. As únicas coisas que poderia considerar minhas de fato eram meus pensamentos, e eles rodeavam minha mente o dia todo até que eu os anotasse. Mas as palavras não eram suficientes. Eu sentia falta do meu namorado. A saudade dele me acompanhava por todo canto. Era como uma doença e, às vezes, não tinha nada a ver com ele. Sentir saudade dele era minha única lembrança da vida em Nova York e da garota que eu costumava ser. Eu sentia falta daquela garota que usava jeans – que tinha sido proibido por
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17 NESSE MEIO-TEMPO, RUTH COMEÇOU a introduzir o uso dos garfos e facas que ela trouxera da China. Todos usávamos colheres e hashis por lá, e ninguém pensava muito nisso. Ela, no entanto, explicou aos alunos que estava na hora de se tornarem “homens internacionais”. No início de cada refeição, dizia educadamente aos alunos à sua mesa: “Sejam bem-vindos ao nosso restaurante. Sinto muito, mas terei de confiscar suas colheres e hashis e lhes dar isto aqui em troca”. A maioria dos alunos nunca tinha usado garfo e faca e não fazia ideia de o que fazer com eles. Quase nunca havia carne para se cortar com uma faca, e eles estavam acostumados a usar colheres para comer arroz. Ver Ruth lidando com os alunos era um pouco como assistir a Henry Higgins e Eliza Doolittle em Pigmalião. Alguns dos garotos não paravam de rir; outros estavam confusos e envergonhados. Posteriormente, um deles brincou: “Uma refeição com a professora Ruth não é só uma refeição, é uma aula. Precisamos usar garfos e facas e
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18 A MESMICE DO DIA A DIA se estendeu às nossas raras saídas. Os professores eram levados para as mesmas excursões no outono e no verão – para uma montanha, uma igreja e alguns dos principais pontos turísticos. A excursão pela qual estava mais ansiosa era para Kaesong, a antiga capital da Coreia. Ficava a apenas oito quilômetros da Zona Desmilitarizada da Coreia e da Área de Segurança Conjunta, que eu nunca tinha visto pelo lado norte-coreano. Os professores que serviam de intermediários entre nós e as contrapartes tinham de entrar com um processo complicado para aprovar a viagem, que envolvia solicitar passes de viagem não apenas para os visitantes, mas também para os veículos, e isso costumava levar várias semanas. A excursão tinha gerado muita discórdia entre os seguranças e os missionários. Aos sábados, os seguranças participavam das sessões de crítica na Síntese do Cotidiano e, além disso, a Zona Desmilitarizada era controlada pela Coreia do Sul e não era aberta a visitas do lado
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19 QUANDO NOVEMBRO CHEGOU, o vento noturno começou a soprar com força e carregado de gelo. Na UCTP, eles só ligavam os aquecedores do alojamento no inverno, então eu me escondia sob camadas de roupas térmicas, blusas de lã e um casaco forrado de plumas para me manter aquecida. À noite, eu me enfiava debaixo de dois cobertores e me obrigava a dormir cedo porque estava frio demais para ficar acordada. Os cães ferozes que tinham mordido quatro trabalhadores foram mortos com veneno de rato e, de acordo com Ruth, os funcionários norte-coreanos os tinham comido. Como não havia mais os cachorros, eu queria voltar a caminhar sozinha do lado de fora, mas as noites eram tão frias que todos nós preferíamos usar a passarela coberta. Em algumas noites, quando os passos dos alunos ecoavam pelos longos corredores escuros, era quase como se eu estivesse em um filme do Harry Potter, em alguma passagem sombria do castelo de Hogwarts. Porém, quando olhava para o outro lado do pátio e avistava os seis alu
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20 – VOCÊ TEM UM PARCEIRO? – perguntou-me a sra. Davis. Ela era casada com o médico da clínica e ambos eram missionários coreano-estadunidenses de cinquenta e poucos anos. Eu tinha passado por lá para visitar Ri Sang-woo, que estava gripado havia alguns dias. – Aqui, você precisa de um parceiro – declarou ela. Era fácil para um casal manter um ao outro na linha, ela disse, mas, para as pessoas solteiras, qualquer passo em falso poderia ser perigoso. – Preste atenção a tudo o que você faz ou diz, porque eles vigiam cada passo seu como se fossem falcões – continuou. – Eles têm medo de que possa haver um espião entre nós. Eu sabia que era uma espécie de espiã, mas será que havia outra pessoa? Em seguida, a sra. Davis me contou que, no decorrer do último ano, não importava onde ela e o marido estivessem à noite, os seguranças conseguiam encontrá-los em um instante caso houvesse uma emergência médica. Podiam estar sentados na sala dos professores e o telefone tocaria, com um segurança do ou
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21 NA SEGUNDA SEMANA DE NOVEMBRO, chegou ao campus um caminhão com caixas e mais caixas de alho e repolho. Era hora do almoço, e vários alunos foram chamados ao lado de fora para descarregá-las. Levaram o alho para o refeitório e, nos dois dias seguintes, alunos e professores passaram mais de uma hora descascando tudo. Foi assim que descobri que aquela era a semana do kimjang. No fim do outono, tanto na Coreia do Norte quanto na do Sul, a maioria das famílias tem o costume de preparar kimchi suficiente para durar até o inverno. Essa tradição teve início mais de mil anos atrás, quando nem sempre havia vegetais disponíveis o ano todo. Durante a minha infância, a temporada de kimjang era sempre uma época festiva. As mulheres da minha vizinhança ficavam atarefadas de uma hora para outra, encarregadas de comprar os ingredientes – repolho, rabanete, pimenta malagueta, cebolinha, gengibre, camarõezinhos marinados e anchovas. Depois, elas se reuniam para lavar os repolhos e rabanetes, colocá-l
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22 “ARTIGO” ERA UMA PALAVRA muito temida por meus alunos naquele outono. Estavam muito estressados por precisarem escrever um, já que teria o mesmo peso que as provas em sua nota final. A ideia era que decidissem sozinhos o tema e entregassem uma tese e um esboço. Quando eu perguntava sobre o andamento do trabalho, eles suspiravam e respondiam: “Desastroso”. Enfatizei a importância dos artigos, visto que, como cientistas, um dia eles teriam de escrevê-los para provar suas teorias. Na realidade, porém, nada era provado naquele mundo, pois tudo acontecia de acordo com os caprichos do Grande Líder. Suas habilidades de escrita eram tão pouco desenvolvidas quanto as de pesquisa. Ao escrever, inevitavelmente valiam-se de uma repetição interminável de seus feitos, nenhum dos quais jamais fora provado, visto que careciam do conceito de usar evidências para respaldar suas alegações. Uma rápida olhada nas matérias do jornal do dia revelava que usavam o mesmo tom da primeira à última página, sem
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23 O DIA DE AÇÃO DE GRAÇAS ESTAVA se aproximando, e a principal notícia nos EUA, de acordo com a CNN Ásia, era a possível candidatura de Herman Cain, seguida por acusações de assédio sexual. Uma das manchetes dizia: “Deus me disse que eu deveria concorrer à presidência”. Isso me soava familiar. Quando perguntei aos outros professores por que eles tinham decidido ir para a UCTP, todos deram uma resposta semelhante. “Deus me trouxe a este lugar”. Quando perguntei quanto tempo pretendiam ficar, muitos responderam: “O tempo que Deus quiser. Ele sabe tudo. É Ele quem vai decidir”. Isso me lembrou da declaração da Ruth, de que o Senhor tem seus próprios desígnios e que o sofrimento dos norte-coreanos era apenas uma fase temporária em sua jornada rumo ao céu. Os gulags, portanto, serviam a um propósito em nome de Jesus, e era com base no mesmo tipo de perspectiva que meus alunos foram ensinados a seguir seu Grande Líder apesar da fome, ou melhor, por causa da fome, que fora reinterpretada com
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24 – TENHO A IMPRESSÃO DE QUE os dias consistem apenas em esperar por alguma coisa – disse um aluno durante o jantar. Eles raramente expressavam seus sentimentos, e eu compartilhava daquela sensação, então respondi: – Eu também. – A professora Kim Suki também se sente assim? – ele perguntou. Parecia surpreso por eu ter concordado com ele. Assenti. – Pelo que você está esperando? – perguntei. – Para ver minha mãe e meu pai, é claro! – exclamou, abrindo um sorriso largo. Eles também estavam apreensivos com os estudos. Só continuariam nas aulas de inglês até a chegada dos professores de ciência e tecnologia. Até lá, já teria se passado um ano e meio desde sua chegada à UCTP, quando seus estudos tinham sido interrompidos. – Estou preocupado – confessou um aluno. – Não sei se não terei problemas por ficar tanto tempo sem cursar as matérias da minha graduação. Para o último trabalho do semestre, pedi que escrevessem uma carta para alguém de sua escolha. Eu estava dando um descanso para eles
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25 CERTA NOITE, DURANTE O JANTAR, Jun Su-young veio falar comigo e me mostrou um desenho detalhado de um apêndice. Ele ficara sabendo que outro aluno havia me perguntado sobre termos anatômicos em inglês e eu tinha respondido que não conhecia muito sobre a anatomia humana. Por essa razão, Su-young tinha passado horas na biblioteca procurando toda a terminologia relevante em inglês e desenhara um gráfico para me mostrar. Foi comovente vê-lo falar sobre algo em que estava realmente envolvido, e larguei meus talheres e parei de fingir que estava comendo os brotos de feijão e a sopa de repolho, tão orgulhosa quanto uma mãe assistindo ao filho contar alguma coisa nova que havia aprendido na escola. Em seguida, Ri Dae-sung, que estava ao lado dele, declarou: – Isso está parecendo uma aula de medicina, não um jantar. Esse assunto é tão chato. Ele cursa medicina, mas nós não. Parece que está falando outra língua. Nem mesmo inglês, e sim alguma outra língua estrangeira. Então, é possível dizer
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26 COM A APROXIMAÇÃO DAS PROVAS FINAIS E DO NATAL, aconteceram duas coisas que pareciam uma bênção. Primeiro, as contrapartes rejeitaram As crônicas de Nárnia. Os outros professores ficaram sem entender o que havia acontecido, já que o filme fora aprovado e exibido na primavera, mas, ao que parecia, as contrapartes ficaram desconfiadas com a insistência de passarem aquele filme em particular. Então, a segunda coisa aconteceu. Surpreendentemente, Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban foi aprovado para a minha aula de inglês. Como quase não havia tempo para encontrar outro filme e conseguir a aprovação, os professores acharam que não havia opção a não ser passar Harry Potter para toda a turma de calouros no Dia do Filme, que aconteceria no mesmo dia das provas finais. A notícia não tardou a se espalhar pelo campus. – Nós realmente vamos assistir a Harry Potter? – Vamos poder ver todos eles, Harry, Rony e Hermione? – Também vamos ver Quadribol? Um por um, eles vieram correndo para me pe
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27 DURANTE A MINHA ÚLTIMA SEMANA LÁ, sonhei com vômito. Vomitava as imagens dos vilarejos silenciosos ao longo das estradas, os rostos descarnados do outro lado da janela da van, os slogans do Grande Líder e as canções do Grande Líder e os retratos do Grande Líder que marcavam cada construção, cada criatura viva, cada respiração abafada como se fossem um ferrete. No meu sonho, eu jogava cada partezinha dos meus últimos dias em um saco plástico preto, que estava tão pesado que eu tinha de arrastá-lo com as duas mãos e jogá-lo em um buraco perto do alojamento dos professores. Sozinha em meio aos ventos siberianos, baixei o olhar para fitar o saco plástico, que parecia respirar, tão resiliente que se recusava a morrer. Então acordei e eram cinco e quarenta da manhã. Estava escuro como breu do lado de fora, mas eu sabia que os alunos já tinham acordado. Às cinco e cinquenta, eles já estavam do lado de fora correndo, enfileirados, aos berros de Joguk Tongil, que significa “Reunificação da P
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AGRADECIMENTOS QUERO AGRADECER ÀS SEGUINTES PESSOAS e instituições por sua ajuda e apoio inestimáveis durante a escrita deste livro: Molly Stern, Rachel Klayman, Domenica Alioto, Suzanne Gluck, John Glusman, à Fundação Memorial John Simon Guggenheim, ao Programa de Bolsas Fulbright, à Harper’s Magazine, à Open Society Foundation, ao programa de residência MacDowell Colony e à comunidade de Yaddo.
AGRADECIMENTOS
NOTA DA AUTORA ESTE LIVRO É UM RELATO DAS MINHAS MEMÓRIAS, feito com base em diários e anotações mantidos a partir de 2002, quando fui à RPDC pela primeira vez; entre 2008 e 2011, quando fui atrás da história da UCTP; e durante minha estada em Pyongyang, de julho a dezembro de 2011. Sempre que possível, eu anotava e transcrevia eventos e conversas no dia em que ocorriam, de modo que pudesse reproduzir os diálogos palavra por palavra. Recorri a algumas fontes externas para verificação: mapas, fotografias e artigos de jornal, tanto em coreano quanto em inglês. Com exceção de James Kim, presidente da UCTP, os nomes e, em muitos casos, os detalhes de identificação dos missionários, seguranças e alunos foram modificados. Sobretudo, em algumas passagens alterei a identidade dos alunos para protegê-los de represálias. Embora alguns tivessem nomes coreanos, atribuí nomes ocidentais a todos os missionários para que fosse mais fácil distingui-los dos alunos. Em alguns casos, alterei a ordem cron
NOTA DA AUTORA
SOBRE A AUTORA SUKI KIM É AUTORA DO ROMANCE PREMIADO The Interpreter e ganhadora das bolsas Guggenheim, Fulbright e Open Society. Tem viajado para a Coreia do Norte como jornalista desde 2002, e seus ensaios e artigos foram publicados no The New York Times, na Harper’s e na New York Review of Books. Nascida e criada em Seul, atualmente mora em Nova York.
SOBRE A AUTORA
• GUIA DO LEITOR • • UMA CONVERSA COM SUKI KIM •
UM GUIA DO LEITOR PARA INTRODUÇÃO INFILTRADA APRESENTA AS MEMÓRIAS da premiada romancista Suki Kim. Neste livro, ela narra sua experiência como professora de inglês dos filhos da elite da Coreia do Norte durante os últimos seis meses do reinado de Kim Jong-il – um raro relato da vida no país mais obscuro do mundo e dos jovens privilegiados aos quais ela se refere como “soldados e escravos”. Na Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang, Suki partilhava três refeições diárias com seus alunos e se esforçava para ensiná-los a escrever, tudo sob o olhar atento do regime. No decorrer das semanas, Suki começou a sugerir aos alunos que havia um mundo além do deles e, em troca, eles lhe ofereceram vislumbres atormentadores de suas próprias vidas, de seus problemas com garotas à curiosidade que nutriam pelo Ocidente proibido. Então, Kim Jong-il morre, deixando os alunos arrasados e levando Suki a questionar se o abismo entre o mundo dela e o deles poderá ser superado um dia. Assombroso e
UM GUIA DO LEITOR PARA
ENTREVISTA COM SUKI KIM Em 2011, você viajou para a Coreia do Norte para dar aulas em uma universidade repleta de funcionários estrangeiros e fez suas anotações em segredo durante todo o tempo. Se elas tivessem sido descobertas, você poderia ter sido deportada ou até mesmo presa. O que a motivou a correr esse risco? Sempre fui obcecada pela Coreia do Norte. Nasci e fui criada na Coreia do Sul e imigrei para os Estados Unidos quando tinha treze anos. Parentes de ambos os lados da minha família foram levados para a Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia e nunca mais foram vistos. No início de 2002, viajei para lá para escrever reportagens para várias revistas. Quando fiquei sabendo da UCTP (Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang), percebi que essa poderia ser uma oportunidade incomum de ter acesso aos bastidores e me candidatei para trabalhar lá. Meu objetivo era escrever um livro que humanizasse os norte-coreanos. Queria ir além dos retratos quase cômicos do Grande Líder
ENTREVISTA COM SUKI KIM




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